LEI COMPLEMENTAR Nº 142/13 – APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA SEGURADA DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS) – MARCO INICIAL DE REGULAMENTAÇÃO OU DE INDAGAÇÃO

INTRODUÇÃO

Publicada no Diário Oficial da União em 09 de maio de 2013, a Lei Complementar nº 142 trata da aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), especialmente no que tange à contagem de tempo de contribuição mediante a adoção de requisitos e critérios diferenciados.

O artigo 201, parágrafo primeiro, da Carta Magna veda, como regra, a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do RGPS. Isso, em prestígio ao princípio constitucional da isonomia no seu aspecto formal (Constituição Federal de 1988, artigo 5º, caput – “todos são iguais perante a lei”).

Entretanto, em observância ao aspecto material ou concreto do princípio constitucional da isonomia (Constituição Federal de 1988, artigo 3º, inciso III – “reduzir as desigualdades sociais e regionais”), estabeleceram-se duas exceções: uma relativa aos segurados que exerçam atividades laborais sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e outra, a qual nos interessa momentaneamente, relacionada aos segurados com deficiência.

Ressaltamos que ambas as exceções, segundo o preceito constitucional acima mencionado, carecem de regulamentação por meio de Lei Complementar, haja vista a relevância das matérias excepcionais, conforme entendeu o Constituinte Reformador, uma vez que a redação atual do parágrafo primeiro do artigo 201 decorreu da Emenda Constitucional nº 47/2005. Daí a origem da LC nº 142/2013, em questão.

Num primeiro momento, parece-nos louvável a atuação do legislador, o qual, após 08 (oito) anos, finalmente exerceu o seu papel e definiu os requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadorias aos segurados com deficiência do RGPS.

Basicamente, tratou o legislador de definir tempo de contribuição menor para a jubilação das pessoas com deficiência nas aposentadorias por tempo de contribuição (B 42) e redução da idade nas aposentadorias por idade (B 41).

Nas aposentadorias por tempo de contribuição, conforme aprofundaremos mais adiante, o tempo de contribuição reduzido variará de acordo com o grau de deficiência do segurado: leve, moderado e grave.

Observamos que a Lei Complementar nº 142/2013 atribuiu ao Poder Executivo, mediante a edição de ato normativo secundário, a regulamentação do que são deficiências leve, moderada e grave.

Nas aposentadorias por idade dos segurados com deficiência, o legislador simplesmente ignorou os graus de deficiência ao estabelecer apenas a redução do requisito idade, independentemente do grau de deficiência da pessoa, conforme analisaremos à frente.

Será que apenas estabelecer singela redução de 05 (cinco) anos no requisito idade para a concessão dessa modalidade de jubilação, ignorando os diferentes graus de deficiência, ao exigir 15 (quinze) anos de contribuição desses segurados com deficiência leve, moderada ou grave, não fere o princípio constitucional da isonomia? Principalmente, se considerarmos que os segurados sem deficiência também devem cumprir carência de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais, ou seja, em virtude da Lei Complementar nº 142/2013, segurados sem e com deficiência cumprirão idêntico requisito de carência. Isso não afronta o ordenamento jurídico pátrio?

Outras indagações de alta relevância emanam com a edição da Lei Complementar em comento. Será que as pessoas com deficiência estão realmente inseridas no mercado de trabalho, antes mesmo de se pensar na sua jubilação? Será que o mercado de trabalho está concretamente preparado para eventual processo de inclusão desses segurados?

Imaginemos que as respostas foram positivas. Os operadores do Direito, técnicos e analistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), advogados, defensores públicos, juízes etc., e a própria sociedade, principalmente os segurados com deficiência, estão prontos para diferenciar doença, incapacidade e deficiência, essa última em seus 03 (três) distintos graus? Aliás, a nossa legislação já o faz satisfatoriamente? A nossa legislação se encontra apta a dar suporte a essas exegeses? Será que no prazo de 06 (seis) meses atribuído pela Lei Complementar nº 142/2013 o Poder Executivo conseguirá estabelecer essas relevantes premissas?

Passemos a analisar, ainda que superficialmente, o panorama atual do mercado de trabalho em relação às pessoas com deficiência e as condições em que se dará sua jubilação para que possamos tentar responder a alguns destes questionamentos.

1. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO

1.1. Quem são as pessoas com deficiência?

O presente estudo não poderia partir de outro ponto senão da definição daquilo que se entende, atualmente, como deficiência.

O preâmbulo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, “reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”, indica que, ainda hoje, não há um conceito fechado daquilo que se entende como deficiência. Mais do que isto, alerta que, ao contrário do que se imagina, a deficiência não é necessariamente intrínseca à pessoa, mas pode resultar das limitações impostas pelo meio em que ela vive.

Note-se que o art. 1º de referida norma internacional, ao conceituar pessoas com deficiência, evidencia que se trata de uma condição pessoal e ambiental:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (g.n.).

Como não poderia deixar de ser, a Lei Complementar 142/2013 acompanhou a definição trazida pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada ao nosso ordenamento pelo Decreto 6.949/09) e a repetiu em seu art. 2º.

Com isto fica patente: a análise de eventual deficiência não passa apenas pela observação da pessoa, mas também pela investigação dos obstáculos que lhe são impostos pelo meio em que vive. Daí se concluir que pessoas com disfunções idênticas de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica podem ser consideradas pessoas com deficiência em graus distintos, a depender das condições ambientais.

1.2. Onde estão as pessoas com deficiência?

De acordo com um levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas,(1) aproximadamente 10% da população mundial é composta por pessoas com deficiência. Este percentual aparentemente pequeno representa cerca de 650 milhões de pessoas que, em sua maioria, vivem em países em desenvolvimento. Os apontamentos indicam que 20% das pessoas mais pobres do mundo possuem alguma deficiência.

Outras informações relevantes também são trazidas pelos estudos da ONU:

Mulheres e meninas com deficiência são particularmente vulneráveis a abusos. Pessoas com deficiência são mais propensas a serem vítimas de violência ou estupro, e têm menor probabilidade de obter ajuda da polícia, a proteção jurídica ou cuidados preventivos. Cerca de 30% dos meninos ou meninas de rua têm algum tipo de deficiência, e nos países em desenvolvimento, 90% das crianças com deficiência não frequentam a escola.(2)

No Brasil, de acordo com o Censo Demográfico 2010 – Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência – divulgado dia 29.06.2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24% da população total do país têm algum tipo de deficiência. Isso corresponde a quase 46 milhões de pessoas.

Cientes destes números, cabe a indagação: onde estão essas pessoas? Com quantas pessoas com deficiência já trabalhamos ou estudamos ao longo de nossas vidas? Sobre quantos profissionais com deficiência bem remunerados e reconhecidos por sua atuação já ouvimos falar? Poucos, de certo!

Para compreender as razões disso, basta verificar as conclusões do próprio IBGE, que demonstram que 61,1% das pessoas com deficiência maiores de 15 anos de idade não possuem nenhuma instrução ou têm apenas o ensino fundamental incompleto (o percentual cai para 38,2% em se tratando de pessoas sem nenhuma deficiência nesta mesma faixa etária).

Do total de pessoas com deficiência em idade ativa (44 milhões de pessoas), mais da metade não é economicamente ativa ou está desocupada. Dentre as pessoas com deficiência com alguma ocupação, 46,4% ganham até um salário mínimo ou não são remuneradas.

E este não é um problema exclusivo do Brasil ou de países em desenvolvimento.

De acordo com o site oficial das Nações Unidas,(3) um levantamento realizado em 2004 nos Estados Unidos descobriu que apenas 35% das pessoas com deficiência em idade economicamente ativa estavam, de fato, em atividade (contra 78% das pessoas sem deficiência). Um ano antes, uma pesquisa feita pela Universidade de Rutgers com empregadores norte-americanos demonstrou que um terço deles acredita que pessoas com deficiência não são capazes de realizar as tarefas comumente exigidas no trabalho e que a segunda razão mais comum para não contratarem pessoas com deficiência é o receio do custo com instalações especiais.(4)

1.3. Programas nacionais de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Recentemente, o governo federal lançou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite (Decreto nº 7.612/11). Mencionado plano, que conta com a participação de 15 ministérios e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, tem como principal proposta a criação de políticas governamentais garantidoras do acesso à educação e saúde, promotoras da acessibilidade e da inclusão social das pessoas com deficiência.

Dentre algumas medidas, o plano prevê a reserva de vagas na concessão de bolsas em cursos de formação profissional técnica e de qualificação profissional oferecidas pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Para estimular ainda mais a contratação de profissionais com deficiência no mercado de trabalho, além da obrigação legal de cumprimento das cotas estabelecida pelo art. 93 da Lei 8.213/91, os governos regionais podem criar outras formas de incentivo como, por exemplo, o Programa de Apoio ao Emprego de Deficientes da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo, que oferece às empresas, de forma gratuita, palestras sobre contratação e integração da pessoa com deficiência, pré-seleção dos candidatos e orientação para elaboração de plano de trabalho.

Muito embora haja algum esforço governamental na tentativa de incluir os profissionais com deficiência no mercado de trabalho, existem muitos obstáculos que tornam esta tarefa muito dificultosa.

Além das questões sociais indicadas pelos estudos e censos realizados no Brasil e por Organismos Internacionais (que relacionam uma maior concentração de pessoas com deficiência nas classes sociais mais pobres, com nível mais baixo de escolaridade e menores salários), o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência Física