LEI COMPLEMENTAR Nº 142/13 – APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA SEGURADA DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS) – MARCO INICIAL DE REGULAMENTAÇÃO OU DE INDAGAÇÃO

Peguemos o seguinte caso hipotético: uma segurada mulher, após contribuir durante 20 (vinte) anos, é acometida por uma deficiência moderada e trabalha por mais 04 (quatro) anos.

Para as seguradas com deficiência moderada o tempo de contribuição necessário para jubilação é de 24 (vinte e quatro) anos, porém a segurada de nosso exemplo não poderá se aposentar com esse TC, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que não era pessoa com deficiência durante todo o período contributivo.

Como corrigir isso? Visualizamos duas soluções possíveis:

Uma delas é a conversão do tempo contribuído como deficiente – já denominado por alguns de TC qualificado – em TC comum, com o objetivo de se cumprir a exigência do TC necessário para a jubilação das seguradas ao RGPS, que é de 30 (trinta) anos.

O fator de conversão (FC) resultará da divisão do TC comum pelo TC qualificado, ou seja, 30/24, cujo resultado é 1,25. Assim, no nosso exemplo o FC será 1,25.

A seguir, multiplicamos o TC qualificado de 04 (quatro) anos pelo FC 1,25 (TC qualificado x FC), ou seja, 04 x 1,25, cujo resultado é 05. Portanto, os 04 (quatro) anos de TC qualificado valerão como 05 (cinco) anos de TC comum, os quais somados aos 20 (vinte) anteriores à deficiência resultarão no total de 25 (vinte e cinco) anos de TC, de modo que restarão ainda 05 anos a contribuir para que a nossa segurada complete os 30 (trinta) anos de TC e possa se aposentar.

Essa é a solução proposta pelos operadores do Direito até então com a maior aceitação. Todavia, percebemos que há um pequeno equívoco que pode gerar um ônus maior que o necessário para os segurados.

Tratando-se de deficiência moderada superveniente, no nosso exemplo, após 20 (vinte) anos de TC comum, cremos que a melhor forma de verificar qual será o TC necessário para a jubilação mediante a conversão do TC qualificado em comum é simular as conversões até que se atinjam os 30 (trinta) anos de TC comum.

Explicamos: a nossa segurada contribuiu por 20 (vinte) anos e agora é pessoa com deficiência moderada, logo o FC corresponde a 1,25. Desse modo, é possível que simulemos conversões até encontrar um resultado que equivalha a 10 (dez), pois como ela já contribui por 20 (vinte), encontrando-se o número de anos que convertidos correspondam a 10 (dez), estará completo o TC de 30 (anos). Esse número é 08 (oito). Isso significa que a partir da deficiência moderada superveniente a nossa segurada precisará contribuir por mais 08 (oito) anos, pois esses convertidos em TC comum equivalerão a 10 (dez).

Percebamos que, consoante a primeira simulação, a nossa segurada precisaria contribuir por mais 09 (nove) anos (4 + 5), e não por 08 (oito), conforme vimos acima, o que implica relevante diferença de 01 (um) ano.

A outra solução é a conversão do TC comum em TC qualificado, a fim de se cumprir o TC necessário para a aposentadoria das seguradas com deficiência moderada, que é de 24 (vinte e quatro) anos.

Nesse caso, o FC resultará da divisão do TC qualificado (24) pelo TC comum (30), cujo resultado é 0,8.

Como a nossa segurada contribuiu por 20 (vinte) anos, da conversão (20 x 0,8) resultarão 16 (dezesseis) anos de TC qualificado. Portanto, para que ela atinja os 24 (vinte e quatro) anos de TC qualificado necessários, precisará contribuir por mais 08 (oito) anos.

No geral, as opiniões são favoráveis à adoção desse segundo critério. Contudo, precisamos lembrar que desde 28 de abril de 1995 a legislação previdenciária não admite mais a conversão de TC comum em especial, segundo orientação jurisprudencial e costumes administrativos autárquicos.

Será que essa consagrada linha de entendimento poderá impedir essa segunda solução? Isso não feriria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, dentre tantos outros valores constitucionais como o valor social do trabalho, por exemplo?

Apenas para dar início às reflexões, colocamos que os segurados expostos a agentes nocivos podem optar por exercer ou não determinada atividade. Já as pessoas com deficiência não! As pessoas com deficiência diuturnamente são obrigadas a lidar com e superar as limitações que lhes são impostas, tanto as físicas como as mentais, as intelectuais ou as sensoriais, mas, principalmente, as barreiras impostas pela sociedade, físicas (acessibilidade) e morais (preconceito).

O que se quer dizer é que o Direito Previdenciário é um típico Direito Social e, como tal, deve especial guarida àqueles que exercem atividade laboral, conquistam por si mesmos fonte digna de subsistência – ou, ao menos, buscam-na por meio do trabalho – e contribuem para a ordem e o progresso nacional, mesmo com deficiência.

Em suma, cremos que a hermenêutica adequada será sim aquela que corresponder ao melhor critério para as pessoas com deficiência, basicamente pelos motivos acima, bem como pelo fato de que, juridicamente, a própria Constituição Federal dispõe que para elas os requisitos e critérios serão diferenciados, evidentemente no sentido de “o mais benéfico possível”.

Na aposentadoria por idade das pessoas com deficiência (B 41), o legislador apenas reduziu em 05 (cinco) anos a idade necessária para tanto. Assim, segurados com deficiência poderão se aposentar com 60 (sessenta) anos de idade ao invés de 65 (sessenta e cinco), exigidos para os sem deficiência. Já as seguradas com deficiência poderão se aposentar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, e não com 60 (sessenta), necessários para as sem deficiência. Absurdamente, o fez sem distinguir entre os graus de deficiência. Repetimos: “independentemente do grau de deficiência” (Lei Complementar nº 142/2013, art. 3º, inciso IV). Mantendo a mesma linha de incoerência, o legislador estabeleceu como carência para essa modalidade de jubilação das pessoas com deficiência a mesmas das sem deficiência: 15 (quinze) anos de TC (Lei Complementar nº 142/2013, art. 3º, inciso IV). Aliás, tecnicamente, 180 (cento e oitenta) contribuições mensais diferem de 15 (quinze) anos de TC, o que preferimos não aprofundar momentaneamente.

Outro ponto relevante diz respeito ao fator previdenciário (FP). Aparentemente, o legislador foi “amigo” dos segurados com deficiência ao estabelecer que o FP apenas incida caso resulte em elevação da renda mensal (Lei Complementar nº 142/2013, art. 9º, inciso I).

Lembramos rapidamente que, historicamente, o FP é um mecanismo legal de redução do valor da renda mensal dos benefícios dos segurados ao RGPS, uma vez que o Governo falhou na tentativa de implantar nesse regime de previdência, via Emenda Constitucional, a cumulação dos requisitos de idade e TC para a jubilação.

A fórmula do FP leva em conta a idade do segurado, o TC e a expectativa de sobrevida, a qual, quanto maior, reduzirá mais a renda mensal. Além disso, salientamos que essa fórmula foi concebida para as aposentadorias em 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, razão pela qual a Lei prevê, por exemplo, que será acrescido ao TC da segurada mulher, para efeito de aplicação do FP, o valor de 05 (cinco) anos, haja vista que ela precisa somente de 30 (trinta).

Ocorre que a Lei Complementar nº 142/2013 não previu expressamente esses “arredondamentos” e disso resultará que o FP nunca incidirá, pois sem eles o resultado sempre será prejudicial ao segurado com deficiência.

A única forma de sanar essa lacuna imperdoável é por meio de acréscimo. Exemplificamos. Se um segurado com deficiência grave do sexo masculino depende de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição para a jubilação, na fórmula do FP ao seu TC devem ser acrescidos mais 10 (dez), pois 25 + 10 = 35 (não podemos nos olvidar de que a fórmula do FP contempla aposentadorias em 35 anos de contribuição).

Caso contrário, essa previsão já nascerá inefetiva.

Pois bem. Louvável a atitude do legislador em editar a Lei Complementar em comento, máxime depois de quase 08 (oito) anos de tramitação. Todavia, diante dessa pequena gama de situações que trouxemos à tona, uma questão emerge inexoravelmente: A Lei Complementar nº 142/2013 será a fonte de regulamentação das aposentadorias das pessoas com deficiência ou, ao invés disso, será fonte inesgotável de questionamentos?

CONCLUSÃO

Em se tratando de norma integrante de um conjunto de medidas tendentes a garantir às pessoas com deficiência o pleno gozo dos direitos fundamentais individuais e sociais garantidos às pessoas sem deficiência, sua aplicação e análise jamais podem se dar apenas em tese; há que se considerar a realidade vivenciada pelos profissionais com deficiência e os obstáculos que enfrentam até alcançarem a aposentadoria.

Nossa sociedade não está pronta para receber as pessoas com deficiência, seja pela falta de acessibilidade ou mesmo pelo preconceito que insiste em permear as relações pessoais.

Na grande maioria dos casos, para ocupar um posto no mercado de trabalho, a pessoa com deficiência precisa superar o déficit educacional (61,1% das pessoas com deficiência maiores de 15 anos de idade não possuem nenhuma instrução ou têm apenas o ensino fundamental incompleto), precisa se dispor a receber uma baixa remuneração (46,4% dos que possuem alguma ocupação ganham até um salário mínimo ou não são remunerados) e precisa enfrentar limitações ambientais como o difícil acesso ao transporte público e a ambientes empresariais não adaptados (ou não suficientemente adaptados).

Apenas se transpuser todos estes óbices o profissional com deficiência poderá se beneficiar dos critérios especiais previstos na LC 142/13. Ainda assim, sua limitação física, sensorial ou psíquica será graduada e, a depender do caso, não haverá grande distinção entre os requisitos da concessão de aposentadoria se comparados com aqueles exigidos das pessoas sem deficiência.

Por estas razões, não são poucos os ativistas em prol das pessoas com deficiência que, apesar de admitirem a importância da Lei Complementar nº 142/2013, entendem que antes de sua edição seria necessário discuti-la melhor com a sociedade. Alegam fundamentadamente que alguns pontos deveriam ser mais bem esclarecidos, ou até mesmo amadurecidos, antes da edição do novel diploma.

Questões como a gradação da deficiência para fins de enquadramento às novas regras de aposentadoria e os critérios para a contagem do tempo de contribuição (bem como sua conversão) serão, decerto, objeto de intenso debate jurídico.

Hoje, para muitos, o cenário é de incerteza e de insegurança, mesmo com a edição da norma citada. Num primeiro momento, a Lei Complementar nº 142/2013 desperta, no mínimo, inquietação. Em nós, operadores do Direito, antes da tese, da antítese e da síntese, a indagação!

NOTAS

(1) A ONU e as pessoas com deficiência. Disponível em: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-as-pessoas-com-deficiencia/>. Acesso em: 27 jun. 2013.

(2) idem.

(3) Disponível em: <http://www.un.org>.

(4) Disponível em: <http://www.un.org/disabilities/default.asp?id=18>.

(5) MERCADO de trabalho: veja a realidade para deficientes. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/mercado-de-trabalho-veja-a-realidade-para-deficientes/12777/>. Acesso em: 26 jun. 2013.

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito, 2011.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.